A ritualização dos anteriores espaços domésticos: o sítio da Torre Velha (Castro de Avelãs, Bragança)

Mosteiro de Castro de Avelãs

A arqueologia da época tardo-romana e da Alta Idade Média poderia ser comparada com uma pele de leopardo: existem grandes quantidades de informações e sítios escavados (as manchas de pele) mas estes estão muito dispersas e às vezes são muito mau conhecidas. Porém, esta é a tarefa da pesquisa, procurar os dados e dar-lhes um sentido que antes não tinham, além de reconhecer novos temas e expandir os que já existem. Um exemplo é a análise dos fascinantes processos de extensão do cristianismo e a implantação de novas formas rituais. Isto podemo-lo ver no impressionante sítio de Torres Velhas, localizado en Castro de Avelãs, Bragança. Como outros espaços e enclaves arqueológicos, o sítio da Torre Velha foi conhecido e escavado a finais do século XIX, ainda que não seria até aos anos 2012-2015 que se retomariam as escavações. Estas, dirigidas pela Universidade de Coimbra e a municipalidade de Bragança, centraram-se na escavação de múltiplas sondagens ao longo do sítio. Assim encontraram-se estruturas de muito interesse em duas sondagens. Cabe destacar que este sitio foi associado como povo dos Zoelas, povo mencionado por Plínio o Velho nos seus escritos.

Ubicação de Torre Velha.

Numa dessas sondagens exumou-se um edifício de planta rectangular e muros de pedra que se denominou o edifício Flávio. Esta estrutura apresentava duas fases que foram datadas graças a um detalhado estudo cerámico entre os séculos I e IV d.n.e. A sua construcção no século I seria o motivo de chamar-lha Flávia. Ainda que não se conhece com certeza o momento de abandono, é muito possível que este tivesse lugar num momento do século V ou VI d.n.e. Precisamente no momento em que apareceria outro edifício nas redondezas.

Estruturas romanas de Torre Velha.

Noutra sondagem escavada noutro setor do jazigo encontrou-se parte duma estrutura que, pelas características construtivas, foi interpretado como um edifício religioso. O facto de surgir um cemitério ao redor reforçaria esta hipótese. Nas escavações puderam-se documentar até 42 tumbas, cujas datações radiocarbónicas mostrariam um uso como espaço de enterramento desde o século VI até ao século XII. Assim, o que podemos ver através do sítio de Torre Velha é a implantação definitiva do cristianismo no mundo rural pós-romano.

Estruturas romanas de Torre Velha.

Segundo os escavadores o abandono definitivo do sítio estaría ligado á implantação do conhecido mosteiro mudéjar de Castro Avelãs e o impulso de Bragança como espaço central do território.

Biblografía

ANDRÉ, C., CARVALHO, P. C., CIPRIANO, M., FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ, A., & TERESO, S. (2014). Cerámicas romanas de la «Torre Velha» (Castro de Avelas, Bragança). In R. MORAIS, A. FERNÁNDEZ, & M. J. SOUSA (Eds.), As produçoes cerâmicas de imitaçao na Hispania (pp. 573-586). Porto: Faculdade de Letras da Universidade de Porto.

FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ, A., CARVALHO, P. C., ANDRÉ, C., COSTA, M., & TERESO, S. (2018). Contextos cerámicos de época alto y bajo imperial provenientes de La Torre Velha-Castro de Avelas (Bragança, Portugal). In Rei Cretariae Romanae Fautorum. Acta 45 (pp. 71-81). Bonn.

A materialidade das elites tardo-romanas e suevas: o sítio de Falperra

Vista parcial do templo paleocristão, durante restauración (Cortez, 1954)

Uma das características mais curiosas dos chamados suevos e da monarquía sueva é que não tem uma materialidade muito diferenciada. Noutras palavras, não existe um conjunto determinado de objectos que sejam distintivos deste grupo de elites militares que chegaram à península ibérica no ano 411 junto a vándalos e alanos e que depois estabeleveram um dos primeiros reinos pós-romanos. Isto marcaria uma diferença com outras das etnias germânicas como os Francos, os Visigodos ou os Lombardos que, no seu processo de etnogênese, geraram uma materialidade característica. Ainda que existem objectos de luxo particulares que sim foram associados aos suevos, caso por exemplo do pente de Castro Ventosa, a fivela de cinto de Baamorte ou o conjunto de joias dos cemitérios de Mérida, não há uma «materialidade sueva» propriamente dita.

Isto é muito interessante por diversos motivos, mas um deles é porque mostra o grande impacto da cultura romana prévia e a capacidade de assimilação da simbologia do poder pela parte do reino suevo. Um dos sítios arqueológicos onde se pode ver isto e o sítio de Falperra, um dos sítios mais singulares do período pós-romano no noroeste peninsular.

Planimetría das estruturas de Falperra

Santa María de Falperra localiza-se a 3 quilómetros ao sul da cidade de Braga. Como sabemos, Braga tornou-se na capital do emergente reino suevo no século V d.n.e. e, portanto o sítio de Falperra foi ligado a este processo. Ainda que decoberto a finais do século XIX, não foi escavado até os anos 50. Desde então, foi objecto de múltiplas escavações, mas os dados destas não estão na sua maioria publicados. Porém, as estruturas exumadas sim estão restauradas.

As escavações mostram a presença de três edifícios de grande tamanho. Um deles, de 25×16 metro e composto por três naves e cabeceira tripartita, é interpretado como uma basílica paleocristã dos séculos V-VI d.n.e., em quanto que os outros dois são interpretados como um edifício senhorial e um edifício doméstico de funcionalidade desconhecida.

Proposta de reconstrucção da basílica

Ainda que os dados sobre o sítio são muito escassos não cabe dúvida de que se trata dum contexto associado com as elites do momento, e a sua proximidade com Braga vincula-o de forma direta com as elites suevas que nos séculos V e VI controlavam a cidade. Uma materialidade propriamente «sueva».

Para mais informação:

Fontes, Luis O. (2017): «O sítio arqueológico da Falperra (Braga)» en J. L. Quiroga (Ed.), In tempore sueborum. El tiempo de los suevos en la Gallaecia (411-585), Ourense, Deputación Provincial de Ourense, pp. 201-204.